A melhor coisa que você pode fazer por uma pessoa é inspirá-la
Bob Dylan
Dois fatos distintos que aparentemente estão totalmente desligados, sem conexão alguma se apresentam. Mas, o mundo, que é um só, tem frequentemente discutido coisas parecidas, e não seria diferente no Brasil e com o tema que quase me tirou do eixo, a “tal” diversidade, muitas vezes vista com bons olhos só para falar que a gente é bonzinho, que aceita as diferenças, que não somos preconceituosos e nem conservadores...
(Usem as reticências aí de cima para respirar, pois não vai ser fácil)
Enquanto isso abre aspas Certa vez, um professor da faculdade nos fez levantas inúmeras possibilidades para explicar o valor da arte (se é que precisa de um valor), para o que ela serve e se tem algo especial, inerente a ela. Bem, talvez, a gente que é artista, não goste de dizer que a Arte sirva para algo, por acreditar que isso a diminuiria, mas eu não sou dessas (sou aquariana, rebelde e subversiva, e se tem algo que eu não gosto de seguir, é senso comum, mas vamos ao que interessa). Longe de mim também adequar-me na máxima “livre expressão” do artista, que sinceramente, só me faz acreditar que assim se da asas para profissionais orgulhosos e egocêntricos. Mas calma, antes de me jogarem no fogo, eu acredito que a arte não deve realmente servir a algo, como se ela fosse só caminho, e não um processo com seu próprio valor e fim. O fato é que, para além do EU do artista, existe uma pessoa atuante no mundo, que à partir da sua visão, soma e discute outras. Então, voltando ao professor citado ali em cima, ele nos fez pensar sobre uma arte que educa o sensível, e desde então, levo essa ideia sim, comigo. Colocar-se no lugar do outro, aprender a ter empatia, transportar-se para uma visão, um mundo e situações que nada tem conosco, além de emocionar, são coisas que arte faz muito bem. Assim, gosto de dizer que a Arte é a melhor forma de fazer com o ser humano descubra-se sensível, valorizando as diferenças, os inúmeros caminhos e visões de mundo. Ok! Fecha aspas.
Mas bem, essa é a introdução dos fatos aleatórios, que no fundo, falam sobre a mesma coisa, e sobre uma terceira ainda que pode ser nossa eterna pergunta: “por que brasileiro não lê?”
O fato um que irei citar, foi o segundo a acontecer hoje, e é a publicação da página Coletivo Afronta, com a seguinte imagem:
Link da postagem do Coletivo Afronta
Nele é nítido o quanto ainda precisamos mudar: mudar as bases, mudar nossa escolha enquanto artista e consumidor de arte, mudar radicalmente para um dia, termos força de equilibrar esse jogo, e levar a representatividade para quem nunca se viu como protagonista nas obras, para quem nunca teve um espaço de valor real, do tipo que te move a seguir em frente e a ser melhor; com aqueles heróis e heroínas que fazem a criança se ver como semelhante e, assim, se dedicar aos seus talentos e habilidades numa busca por desenvolver seu potencial, pois ai, ela agrega pela semelhança em vez de excluir por conta de um padrão (muitas vezes físico, e em outras, psicológico). Afinal, não é isso que bons protagonistas fazem? Nos fazem querer encontrar o nosso melhor?
E talvez, vocês queiram me perguntar: Essa arte funciona, Carol?
Ora. Vejamos. Além de escritora (e ilustradora quando dá tempo) atuo na rede pública como professora de artes e hoje (02 de abril) recebi o melhor presente que um professor pode ganhar de um aluno, que nesse caso, foi de um garotinho da terceira série. E esse é o outro acontecimento.
Tudo começou com a proposta de levar aos alunos um conto africano, mais especificamente de Gana, para introduzir algo do país do qual escolhi uma música para trabalharmos. Minha intenção geral era aproximar dos alunos uma visão mais lúdica e prazerosa da África e dos ancestrais, para valorizar as raízes e colocar abaixo aquela fala que ainda é repetida, infelizmente e com frequência, de que os negros são descendentes de escravos. (Não. Por favor, não. São descentes de um povo que foi escravizado, mas que tem milhares de anos de histórias para compartilhar conosco e nos enriquecer).
No entanto, na correria do dia, só houve tempo de passar o vídeo com a contação da lenda e conversar sobre Ananse, o homem que era metade aranha, muito esperto e que trouxe de um deus, as primeiras histórias para serem contadas aos humanos.
Após o vídeo, reforcei a história e mostrei algumas representações feitas por diferentes artistas, dessa lenda.
Eis que, no final da aula, um aluno do tipo quieto, que pouco falava quando eu estava na sala, me parou na porta para dizer sorrindo e extremamente orgulhoso, que, diferente dos colegas, já conhecia aquela história, pois ele viera da África e lá, essa lenda é muito comum. Posso dizer pra vocês que só quem já viu uma criança sorrir assim, sabe o tamanho da gratidão que a gente sente pelo momento e pela oportunidade. Eu o abracei feliz e perguntei de que país ele veio. O garotinho me respondeu que havia vindo da Angola. Continuando o assunto, lhe disse que a lenda e a música que iriamos trabalhar era de Gana, mas que deveria ser conhecida em boa parte do continente, já que ele sabia tanto do assunto (e ponto para ele, pois disso eu pouco sabia).
Nós nos despedimos com a minha promessa de que na próxima aula iria passar a música que já estava separada e, caso conhecesse poderia me ajudar a cantar, mas, se fosse uma música nova, que ele trouxesse outras canções para nos mostrar.
Bem, não sei se preciso escrever mais alguma coisa pra justificar a importância da representatividade.
E vejam bem, eu nem falei de vários garotos que ouviram a música, na outra turma, se identificaram com a aparência do Ananse, e já saíram cantando a música de Gana. As sementes de acolhida são capazes de transformações reais.
E é por isso que diversidade para ser respeitada tem que estar na arte! Nos filmes, nas músicas, nos desenhos animados, nos livros! E enquanto não estiver, nós vamos brigar por ela: fazendo a arte que empodera, consumindo o que valoriza a diversidade e o que trata a representatividade com respeito, dando mais dignidade e aconchego a quem tanto precisa.
E encerro meu relato (de uma crônica de quinta adiantada, pra manter a rebeldia) dizendo que, se a gente, que é escritor e já é leitor, parar para refletir, encontraremos a seguinte questão: será que o brasileiro lê tão pouco, pois além dos indicativos de má formação na alfabetização, nós não estamos lhes apresentando somente aquilo que não lhes toca? Afinal, essa é outra característica da arte: não adiante forçar a entrada pelo cérebro, se não abrir antes, a porta do coração.
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